Em 1202, um matemático italiano conhecido como Fibonacci propôs o seguinte problema:
Um coelho macho e uma fêmea nascem no início do ano. Assumindo que:
Quantos coelhos teremos no fim do ano?
Considere \( f_n \) o número de pares de coelhos no começo no mês \( n \). Assim, temos que:
$$
\begin{alignat*}{5}
f_0 = 1, \quad && f_1 = 1, \quad && f_2 = 2, \quad && f_3 = 3, \quad && f_4 = 5, \ \dots
\end{alignat*}
$$
para fixar idéias, observe a imagem ao lado.
Assim, podemos observar que \( f_n = f_{n-1} + f_{n-2} \). Isto significa que todos os termos da sequência (a partir de \( n= 2 \)), são obtidos pela soma dos dois termos anteriores.
A sequência gerada a partir dessa construção, foi nomeada Sequência de Fibonacci, em homenagem ao matemático Leonardo Fibonacci, também conhecido como Leonardo de Pisa.E os primeiros 20 números da sequência encontram-se na tabela.
Veja que com base na tabela, conseguimos resolver o problema, pois sabemos que o número de casais cresce de acordo com os termos da sequência, onde:
$$ f_n = f_{n-1} + f_{n-2} $$
Então, ao final de um ano (12 meses) teremos: \( f_{12} = 144 \) casais de coelhos.
Contudo, veja que quando queremos calcular o termo \( f_n \) da sequência, onde \( n \) é um número muito grande, esta expressão não é muito viável, visto que com ela deveremos calcular todos os termos anteriores a \( f_n \). O que vamos fazer é encontrar uma fórmula fechada para o termo \( f_n \) da Sequência de Fibonacci.
$$
\begin{array}{|l|l|l|l|}
\hline
n \hphantom{1111} & f_n \hphantom{111} & n \hphantom{111} & f_n \hphantom{1} \\
\hline
0 \hphantom{1111} & 1 \hphantom{111} & 10 \hphantom{111} & 89 \hphantom{1} \\
\hline
1 \hphantom{1111} & 1 \hphantom{111} & 11 \hphantom{111} & 144 \hphantom{1} \\
\hline
2 \hphantom{1111} & 2 \hphantom{111} & 12 \hphantom{111} & 233 \hphantom{1} \\
\hline
3 \hphantom{1111} & 3 \hphantom{111} & 13 \hphantom{111} & 377 \hphantom{1} \\
\hline
4 \hphantom{1111} & 5 \hphantom{111} & 14 \hphantom{111} & 610 \hphantom{1} \\
\hline
5 \hphantom{1111} & 8 \hphantom{111} & 15 \hphantom{111} & 987 \hphantom{1} \\
\hline
6 \hphantom{1111} & 13 \hphantom{111} & 16 \hphantom{111} & 1597 \hphantom{1} \\
\hline
7 \hphantom{1111} & 21 \hphantom{111} & 17 \hphantom{111} & 2584 \hphantom{1} \\
\hline
8 \hphantom{1111} & 34 \hphantom{111} & 18 \hphantom{111} & 4181 \hphantom{1} \\
\hline
9 \hphantom{1111} & 55 \hphantom{111} & 19 \hphantom{111} & 6765 \hphantom{1} \\
\hline
\end{array}
$$
Para resolver o problema de encontrar uma fórmula fechada de um termo \( f_n \) da sequência de Fibonacci, iremos relembrar e usar alguns conceitos da Álgebra linear:
Definição: Seja A uma matriz \( n \times n \). O escalar \( \lambda\) é um autovalor de \( A \) quando existe um vetor \( \mathbf{x} \) não nulo tal que \( A \mathbf{x} = \lambda \mathbf{x} \). O vetor \( \mathbf{x} \) é um autovetor de \( A \) associado a \( \lambda\).
Exemplo: Seja \( A = \begin{bmatrix} 1 & 1 \\ 1 & 0 \end{bmatrix} \). Temos que \( \begin{bmatrix} 1 &1 \\ 1 & 0 \end{bmatrix} \cdot \begin{bmatrix} 1 + \sqrt{5} \\ 2 \end{bmatrix} = \frac{1 + \sqrt{5}}{2} \begin{bmatrix} 1 + \sqrt{5} \\ 2 \end{bmatrix} \).
Neste caso, \( \begin{bmatrix} 1 + \sqrt{5} \\ 2 \end{bmatrix} \) é um autovetor de \( A \), correspondente ao autovalor \( \frac{ 1 + \sqrt{5} } {2} \).
Para descobrir os autovalores e autovetores de uma matriz quadrada usamos o seguinte teorema.
Teorema: Dada uma matriz \( A \) de dimensões \( n \times n \):
Seja \( A \) a matriz identidade \( n \times n \). Temos que:
$$ \begin{alignat*}{5} A \mathbf{x} = \lambda \mathbf{x} \quad && \Rightarrow \quad && \lambda I \mathbf{x} = A \mathbf{x} \quad && \Rightarrow \quad && (\lambda I \ – \ A) \mathbf{x} = 0 \end{alignat*} $$
E este é um sistema homogêneo de equações, e portanto possui soluções não nulas se e somente se, a matriz dos coeficientes \( (\lambda I \ – \ A ) \) não for inversível, isto é, se e somente se seu determinante for zero. Logo, se \( Det( \lambda I \ – \ A ) = 0 \) temos que \( \lambda \) é um autovalor de \( A \). E as soluções de \( ( \lambda I \ – \ A) \mathbf{x} = 0 \) são os autovetores de \( A \) associados a \( \lambda \).
Exemplo: Aplicando o teorema na matriz \( A \) anterior temos:
$$ \begin{vmatrix} \lambda -1 &-1 \\ -1&\lambda \end{vmatrix} = 0 \Rightarrow \lambda^2 – \lambda + 1 = 0 $$
Resolvendo a equação, obtemos os autovalores da matriz \( \lambda_1 = \frac{ 1 + \sqrt{5 }} {2} \) e \( \lambda_2 = \frac{ 1 – \sqrt{5 }} {2} \).
E para encontrar os autovetores de \( A \)? Usamos o seguinte resultado:
Definição: Definimos o autoespaço \( E_{ \lambda } \) correspondente ao autovalor \( \lambda \) como sendo o conjunto de todos os autovetores de \( \lambda \), juntamente com o vetor nulo. Em outras palavras, \( E_{ \lambda } \) é a solução do sistema \( ( \lambda I \ – \ A) \mathbf{x} = 0 \)
Exemplo: Novamente retornando ao primeiro exemplo, para encontrar os autovetores da matriz \( A \) correspondentes ao autovalor \( \lambda_1 = \frac{ 1 + \sqrt{5 }} {2} \), devemos resolver o sistema:
$$ (\lambda I \ – \ A) \mathbf{x} = 0 \quad \Rightarrow \quad \begin{bmatrix} \frac{ 1 + \sqrt{5} } {2} – 1 & – 1 \\ -1 & \frac{ 1 + \sqrt{5} } {2} \end{bmatrix} \cdot \begin{bmatrix} x_1 \\ x_2 \end{bmatrix} = \begin{bmatrix} 0 \\ 0 \end{bmatrix} $$
Fazendo \( L_2 \hspace{0.5em} \leftarrow \hspace{0.5em} L_2 \ – \ \left( \frac{-\sqrt{5}-1}{2} \right) \cdot L_1 \) obtemos que:
$$ \begin{bmatrix} \frac{\sqrt{5} – 1} {2} & -1 \\ 0 & 0 \end{bmatrix} \cdot \begin{bmatrix} x_1 \\ x_2 \end{bmatrix}=\begin{bmatrix} 0 \\ 0 \end{bmatrix} \quad \Rightarrow \quad \mathbf{x} = t \begin{bmatrix} \frac{1 + \sqrt{5} } {2} \\[1mm] 1 \end{bmatrix} ,\ t \in \mathbb{R} $$
Logo, uma solução geral é \( \mathbf{x} = t \begin{bmatrix} \frac{1 + \sqrt{5} } {2} \\[1mm] 1 \end{bmatrix} ,\ t \in \mathbb{R} \). Em particular, \( \mathbf{x_1} = \begin{bmatrix} \frac{1 + \sqrt{5} } {2} \\[1mm] 1 \end{bmatrix} \) é uma base para o autoespaço \( E_{\lambda_1} \).
Do mesmo modo, mostramos que \( \mathbf{x_2} = \begin{bmatrix} \frac{1 – \sqrt{5} } {2} \\[1mm] 1 \end{bmatrix} \) é uma base do autoespaço \( E_{\lambda_2} \). Em particular, temos que \( dim(E_{\lambda_1}) + dim(E_{\lambda_2}) = 2 \).
Definição: Uma matriz quadrada é chamada diagonal quando todas as suas entradas são nulas, exceto, talvez, as entradas da diagonal principal.
Definição: Uma matriz quadrada \( A \) de ordem \( n \) é dita diagonalizável quando é semelhante a uma matriz diagonal, isto é, \( A \) é diagonalizável quando existe matriz \( P \) inversível de mesma ordem tal que \( P^{-1} A P \) é uma matriz diagonal.
O próximo teorema nos fornece um algoritmo para a diagonalização de matrizes:
Teorema: Seja \( A \) uma matriz \( n \times n \), \( D \) uma matriz diagonal qualquer, e \( \lambda_1 , \dots , \lambda_k \) os autovalores distintos (reais) de \( A \). Temos o seguinte:
Exemplo: Vamos novamente considerar a matriz \( A = \begin{bmatrix} 1 & 1 \\ 1 & 0 \end{bmatrix} \). Como vimos acima que \( dim( E_{\lambda_1} ) + dim( E_{\lambda_2} ) = 2 \), segue do teorema que \(A\) é diagonalizável. Agora, seja:
$$ P = \begin{bmatrix} \frac{1 + \sqrt{5} } {2} & \frac{1 – \sqrt{5} } {2}\\[1mm] 1 & 1 \end{bmatrix} $$
, a matriz cujas colunas são formadas pelos autovetores de \(A\). Calculando a matriz inversa de \(P\) obtemos:
$$ P^{-1} = \begin{bmatrix} \frac{1}{\sqrt{5} } & \frac{-(1 – \sqrt{5}) } {2\sqrt{5} }\\[2mm] \frac{-1}{\sqrt{5}} & \frac{(1 + \sqrt{5}) } {2\sqrt{5}} \end{bmatrix} $$
Portanto, como no teorema, temos que a decomposição de \(A\) é dada por:
$$ A=\begin{bmatrix} \frac{1 + \sqrt{5} } {2} & \frac{1 – \sqrt{5} } {2}\\[1.5mm] 1 & 1 \end{bmatrix} \begin{bmatrix} \frac{(1 + \sqrt{5}) } {2} & 0\\ 0& \frac{(1 – \sqrt{5}) } {2} \end{bmatrix} \begin{bmatrix} \frac{1}{\sqrt{5}} & \frac{-(1 – \sqrt{5}) }{2\sqrt{5}}\\[2mm] \frac{-1} {\sqrt{5} } & \frac{(1 + \sqrt{5}) } {2\sqrt{5} } \end{bmatrix} $$
KHOURY, J. Application to a probleme of Fibonacci. Disponível em: <http://aix1.uottawa.ca/~jkhoury/fibonacci.htm>. Acesso em: 13 fev. 2020.
LARSON, Ron. Elementos de álgebra linear. 8 ed. São Paulo: Cengage, 2017.