O estudo das seções cônicas e das suas propriedades geométricas começou na Grécia, como parte da busca pela solução do problema da duplicação do cubo1, após a redução deste por Hipócrates de Quio (c. 440 a. C.) à construção de duas proporcionais médias entre dois segmentos de reta paralelos de razão 22. Provavelmente na busca pelo local geométrico da solução do problema das proporcionais médias, Menaecmo (c. 350 a. C.) resolveu o problema por meio das seções de um cone reto de revolução por planos perpendiculares a alguma das geratrizes3, possivelmente seguindo a solução de Arquitas de Tarento (c. 400 a. C.) para o mesmo problema por meio da intersecção de um cone reto de base circular, um cilindro de base circular e um toro de raio interno nulo. Menaecmo tornou-se então, como afirma uma carta de Eratóstenes ao rei Ptolomeu Euergeta, o descobridor das seções cônicas.
Os primeiros estudos das cônicas limitaram-se à definição inicial de Menaecmo referentes ao cone reto de revolução, e a sua classificação e nomenclatura seguiam a classificação desses cones. Assim, a elipse era a “seção do cone acutângulo”, a hipérbole a “seção do cone obtusângulo” e a parábola a “seção do cone reto”, referindo-se os termos “acutângulo”, “obtusângulo” e “reto” ao ângulo entre duas geratrizes opostas no vértice do cone. Essa abordagem manteve-se quase completamente até Euclides e Arquimedes, enquanto a nomenclatura atual foi criada por Apolônio. [5]
As contribuições de Euclides sobre as cônicas perderam-se. Existem, porém, referências a quatro livros de uma obra euclidiana sobre as cônicas, da qual parte do conteúdo pode ser aferido de referências em trabalhos posteriores, principalmente os de Arquimedes e Pappus.
Uma suposição aferida por referências posteriores é a de que, como Os Elementos, também as Cônicas de Euclides seriam uma compilação de conhecimentos existentes, particularmente de uma obra, também perdida, de Aristeu. Esses trabalhos caracterizariam as cônicas por meio de métodos de proporções, como os postos por Euclides no livro V dos Elementos4 [4], e estabeleceriam suas propriedades fundamentais, citadas por Arquimedes como presentes nos “elementos das cônicas”5. Nos Fenômenos, ainda, Euclides reconhece a “seção do cone acutângulo” como a seção formada por qualquer plano oblíquo cortando qualquer cilindro ou cone6, mas sem expandir a generalização às outras seções cônicas. [5]
Apesar de ter pouco avançado nos teoremas específicos das seções cônicas, Euclides estabelece as bases dos maiores desenvolvimentos posteriores sobre o tema, concretizados por Apolônio e Pappus. O primeiro, além de ter estudado entre os discípulos de Euclides em Alexandria, [3] usou os quatro livros de Euclides sobre as cônicas como base dos primeiros livros do seu próprio tratado. Além disso, o tratamento de áreas utilizado para a caracterização das curvas por Apolônio foi o tema do sexto livro dos Elementos de Euclides. [4]
Euclides (c. 295 a. C.) também seria o primeiro a trabalhar o problema dos lugares geométricos de três e quatro linhas, no livro perdido dos Porismas, referido posteriormente por Pappus, de grande importância nas evoluções futuras do tratamento das seções cônicas e da própria geometria. [4]
A primeira série de teoremas sobre as seções cônicas confirmados, porém, apareceram nos trabalhos de Arquimedes (c. 287 – 212 a. C.). De fato, suas contribuições levaram seu biógrafo Heracleides a acusar Apolônio de roubar teoremas de Arquimedes para sua grande obra As Cônicas7. Na obra de Arquimedes encontram-se as primeiras referências a afirmações contidas nos “elementos das cônicas”, conhecimentos atribuídos a Euclides e a Aristeu, além de determinar as áreas de elipses e segmentos de parábolas, estabelecendo inclusive a quadratura da parábola8, e empenhar um estudo sobre superfícies de revolução, inclusive quádricas, e as suas seções no seu texto Sobre Conóides e Esferóides. [5]
Foi porém Apolônio, na sua monumental obra As Cônicas, composta de oito livros dos quais apenas o último se perdeu, que desenvolveu generalizações, aplicou novos métodos, descobriu e provou teoremas e praticamente exauriu as conclusões puramente geométricas envolvidas nas seções cônicas [7], façanha pela qual ficou conhecido na sua época como “O Grande Geômetra”.
Entre as façanhas de Apolônio está a de ter descoberto a possibilidade de se obter as cônicas a partir de qualquer seção em qualquer cone, mesmo oblíquo, partindo de um cone de diâmetro geral e seção também geral. Para tanto, foi preciso admitir o cone circular duplo, ligado pelo vértice, e as duas folhas da hipérbole como uma única curva. [5]
A seguir, Apolônio, na sua primeira proposição, estabelece as relações entre as seções cônicas por meio do método das áreas. Para tanto, Apolônio estabelece um parâmetro AR para as seções cônicas, o hoje chamado latus rectum9, perpendicular ao eixo AB da cônica, passando pelo vértice, e a ele aplica um retângulo de base AQ, sendo Q a projeção de um ponto P da cônica no eixo, e área (PQ)². Estabelecido o retângulo, Apolônio redefine a nomenclatura das seções cônicas conforme o retângulo excede, iguala ou fica aquém do parâmetro, respectivamente a hipérbole, a parábola e a elipse10. [3]
Ao longo do tratado, Apolônio desenvolve diversos teoremas sobre as propriedades das cônicas, tangentes, intersecções, limites, máximos e mínimos e mesmo evolutas das cônicas. Além disso, ao final do terceiro livro [3], Apolônio resolve geometricamente o problema do lugar geométrico de três e quatro linhas, provando que é uma cônica, completando o desenvolvimento de Euclides11. [6]
O próximo geômetra de peso a debruçar-se sobre os problemas das cônicas foi Pappus (c. 300 – 350 d. C.), na maior parte dos seus trabalhos referindo-se aos trabalhos de autores anteriores. Suas compilações “Coletânea” e o “Tesouro da Análise” permitem o conhecimento indireto e possíveis reconstituições de diversos dos trabalhos perdidos de Euclides, como os Porismas e as Cônicas, além do oitavo livro das Cônicas de Apolônio. [4] Nessas compilações aparece pela primeira vez a propriedade foco12 – diretriz das cônicas, atribuída por ele a Euclides mas curiosamente não apresentada por Apolônio. [3]
A principal contribuição de Pappus, porém, foi a discussão do problema do lugar geométrico de três e quatro linhas e seus estudos posteriores para mais linhas. O famoso problema do lugar geométrico de 4 linhas, traduzido para a linguagem moderna, pede o lugar geométrico de um ponto p, sabendo-se que as distâncias p1, p2, p3 e p4de p a quatro retas dadas sejam proporcionais, i.e. p1.p2 = k.p3.p4 , sendo k uma constante. A solução do problema é, como concluiu Apolônio, uma seção cônica. [3] Pappus então buscou trabalhar a generalização do problema para 5, 6 ou mais linhas13, que não podem ser construídas apenas com régua e compasso, e encontrou as curvas por métodos aproximados. Seus contemporâneos, no entanto, não conseguiram avançar nos seus trabalhos. [4]
No século XVII, recuperando os textos de Pappus, Descartes debruça-se sobre então chamado “Problema de Pappus” e, incapaz de resolvê-lo de forma puramente geométrica14, desenvolve ideias da sua geometria analítica na solução15 [6] e prova, na sua Geometria (1637) que o problema de 4 linhas era redutível à solução de uma equação de segundo grau, tendo como caso particular linear o problema de 3 linhas, enquanto para 5 linhas a solução era a de uma equação de terceiro grau, não podendo ser resolvida por régua e compasso, assim como os problemas para mais linhas correspondiam a equações de graus superiores. [4] Nascia assim a correspondência entre as curvas e equações segundo o método cartesiano.
[1] Apolônio. Apollonius of Perga: Treatise on Conic Sections. Tradução: HEATH, T. L. Cambridge University Press. Londres, 1896.
[2] DESCARTES, René. La Géométrie. A. Hermann, Librairie Scientifique. Paris, 1886.
[3] EVES, Howard. Introdução à História da Matemática. Editora da Unicamp. Campinas, 2004.
[4] GILLISPIE, Charles Coulston (Org.). Dicionário de Biografias Científicas. Contraponto. Rio de Janeiro, 2007.
[5] HEATH, T. L. Introduction In: Apollonius of Perga: Treatise on Conic Sections. Cambridge University Press. Londres, 1896.
[8] Mathcurve: http://www.mathcurve.com/ – Acesso em 15 ago 2010.
[6] MILNE, John J. The Story of a Problem and its Solution In: The Mathematical Gazette, Vol. 15, n° 208. The Mathematical Association. 1930. (Jstor: http://www.jstor.org/stable/3607162)
[7] Visual Dictionary of Special Plane Curves: http://xahlee.org/SpecialPlaneCurves_dir/ConicSections_dir/conicSections.html – Acesso em 15 ago 2010.
[8] WEAVER, James H. The Duplication Problem In: The American Mathematical Monthly, Vol. 23, n° 4. Mathematical Association of America. 1916. (Jstor: http://www.jstor.org/stable/2973277)
[9] Wolfram Mathworld: http://mathworld.wolfram.com/Ellipse.html – Acesso em 15 ago 2010.
Curvas, Superfícies e Arquitetura. História das Cônicas. Disponível em: https://curvasearquitetura.wordpress.com/area-de-regioes-e-transformacoes-lineares/. Acesso em 19 ago 2020.
Obs.: A proposta é trabalhar em parceria com o site Curvas, Superfícies e Arquitetura e de fato migrar os conteúdos de lá para o site Derivando a Matemática.
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1 O problema da duplicação do cubo é, junto do problema da trissecção do ângulo e da quadratura do círculo, um dos três grandes problemas da geometria clássica grega. O problema consiste em determinar a aresta de um cubo de forma que este tenha o dobro do volume de um outro cubo dado. Apesar da origem incerta, existem duas lendas gregas relacionadas à origem do problema. A primeira remete à construção do mausoléu de Glauco pelo seu pai, o rei Minos, que teria considerado o projeto inicial insuficiente para uma tumba real e exigiu a sua duplicação pela duplicação dos lados (o que resulta em um aumento volumétrico equivocado, de oito vezes) [7]. Há também a lenda de que os delianos, sob uma peste, foram buscar o conselho do oráculo de Apolo, que indicou a duplicação do altar cúbico para a salvação da cidade. Dessa forma, o problema teria sido encaminhado aos geômetras da Academia de Platão [5], entre os quais estariam Arquitas e Menaecmo. [3]
Não é absurdo, porém, considerar a origem histórica do problema como a conseqüência da descoberta, pelos pitagóricos do lado de um quadrado cuja área era o dobro da área de um outro quadrado dado (c. 530 a. C.). O próximo passo, então, seria extender a questão para três dimensões. [7]
2 A proposta de Hipócrates era construir um par de segmentos de reta paralelos de dimensões e
e, entre eles, construir dois segmentos de reta paralelos aos iniciais de dimensões
e
, de forma que
. Segue-se que
e
. Isolando
na primeira equação e substituindo na segunda:
, logo
. Então,
é a dimensão da aresta do cubo inicial e
da aresta do cubo duplicado. [3]
3 Eutócio, no comentário às Cônicas de Apolônio cita uma afirmação de Gemino, segundo a qual os primeiros geômetras definiam cones como a superfície de revolução de um triângulo retângulo por um dos lados adjacentes ao ângulo reto. Assim, haveriam apenas cones retos de revolução. [5]
4 Os dois métodos utilizados para a caracterização das cônicas, o das proporções usado por Euclides e o das áreas empregado por Apolônio, eram as formas da álgebra geométrica pitagórica destinada à solução das equações de quadráticas. Descartes, então, após desenvolver a sua solução para o problema do lugar geométrico de quatro linhas, descobrindo ser o equivalente à solução de uma equação quadrática, afirma que a solução é uma cônica, pois essas eram as curvas das soluções de equações quadráticas. Nota-se nessa sequência de fatos a associação intrínseca entre as seções cônicas e as equações quadráticas.
5 Ao falar em “elementos”, Arquimedes poderia estar se referindo a uma obra específica, no caso os tratados de Euclides e Aristeu, ou ao conhecimento estabelecido sobre o tema, para evitar justificar e provar afirmações já conhecidas. [4]
6 Euclides dizia que a seção formada era a de um qureóV, escudo. Arquimedes depois escreveria que qualquer seção de um cone ou de um cilindro contendo todas as geratrizes seria uma “seção do cone acutângulo” e estudaria seções de outras superfícies, inclusive quádricas, também elípticas no seu tratado Sobre Conóides e Esferóides. [5]
7 Eutócio, no seu comentário à obra de Apolônio lembra, porém, que este não clamava a autoria original de toda a sua obra. [5]
8 Os problemas de quadratura de curvas eram a busca pelo quadrado cuja área fosse equivalente à determinada por uma determinada curva ou segmento de curva. Arquimedes desenvolveu grandes avanços nesse campo ao empenhar o método da exaustão das curvas, apresentado por Euclides, de natureza similar à do cálculo integral.
9 A descrição da construção do latus rectum encontra-se na primeira proposição do livro I de Apolônio e está definido em relação à construção espacial de obtenção das cônicas a partir de um cone. [1]
10 As palavras gregas elipse, parábola e hipérbole significam, respectivamente, falta, comparação e excesso. A nomenclatura adotada por Apolônio remete ao trabalho dos pitagóricos de aplicação de retângulos a segmentos de reta para uma área dada, considerando o caso de elipse, parábola ou hipérbole se a altura necessária para que o retângulo da base dada tivesse a área desejada era menor, igual ou maior ao segmento de reta, respectivamente. [3]
11 Cabe lembrar que o próprio Apolônio afirma que teria sido impossível alcançar todos os resultados do seu trabalho com os conhecimentos geométricos sobre as cônicas dos seus antecessores, como Euclides, Aristeu e mesmo Arquimedes. [5]
12 Os gregos, porém, não utilizavam o termo “foco”, este seria criado por Kepler nos seus estudos sobre as órbitas planetárias. [9]
13 A generalização do chamado Problema de Pappus, para um número par de linhas, propõe o local geométrico do ponto p cujo produto das razões das distâncias às primeiras linhas dadas
seja proporcional segundo uma razão
, constante, ao produto das razões das distâncias de
às seguintes
linhas dadas, podendo ser anotado da seguinte forma:
. Para os números ímpares, deve-se inserir um comprimento
, de forma que
. [4]
14 Newton, posteriormente, nos Principia, trata o problema das 3 e 4 linhas e encontra uma solução geométrica, se vangloriando por ter sido o primeiro e desdenhando Descartes pela sua solução analítica. Curiosamente, ambos ignoraram a solução anunciada e dada pelo próprio Apolônio no fim do terceiro livro das Cônicas. [6]

Descartes, para resolver o problema, determinou as três linhas dadas AB, AD, EF e GH, sendo o ponto C o procurado para a solução do problema. Sua solução, geometricamente, baseou-se nas proporções dos diversos triângulos dados na figura e em proporcionalidades possíveis de serem obtidas a partir daí. O desenvolvimento da solução, porém, apresenta vários aspectos de uma nova abordagem geométrica, do gérmen da sua geometria analítica. Primeiro, ele define um eixo, paralelo ao segmento de referência AB e estabelece um parâmetro x, medida de AB, a partir do qual determinará as distâncias paralelas ao segmento AB. Faz o mesmo, então, para o outro segmento de referência BC, que denomina y, que servirá de base para as distâncias paralelas a BC. Utilizando as relações entre os triângulos, Descartes coloca todas as distâncias envolvidas no problema (CH, DC e FC) em função dos parâmetros x e y, obtendo expressões numéricas para cada uma, podendo, assim, multiplicá-las como números. Obtendo a expressão quadrática, pois as expressões com x e y são multiplicadas duas a duas, correspondente ao problema, Descartes pode afirmar que a solução deve ser a curva que resolve a equação de segundo grau, ou seja, uma cônica. [2] Cabe notar, porém, que Descartes não adota o atual sistema de eixos cartesianos, mas um sistema genérico, com x e y não obrigatoriamente perpendiculares, que simplesmente permite uma abordagem do problema geométrico por uma metodologia algébrica, estabelecendo a base da geometria analítica.