Você sabe por que dizemos
"xis ao quadrado" para x2 e "xis ao
cubo" para x3 ? Claro, isto é simples: porque
dado um quadrado de lados x a sua área é dada por x2,
enquanto o volume de um cubo de lados x é dado por x3.
Entretanto, por detrás deste simples fato, existe uma
idéia
muito profunda, que remonta aos gregos, em particular Euclides:
representar os objetos geométricos através de
objetos
algébricos e as operações geométricas por
meio de operações
algébricas. Nesse caso a ideia era representar os lados
do
quadrado por um numero x, e a operação geométrica
formando o
quadrado a partir de seus lados pelo produto x·x = x2.
Apesar de tentadora, essa ideia foi abandonada pelos gregos pois
nem todos os segmentos de reta podiam ser representados por
números (assim como os gregos os conheciam). Por exemplo: dado
um quadrado de lado unitário a sua diagonal é justamente
a raiz
quadrada de 2, e o que hoje chamamos números irracionais
não
era conhecido pelos gregos. Além disso, como poderiam os gregos
interpretar x4, x5, e assim por diante? De
qualquer forma, o que vemos aqui é uma
tentativa de representar elementos algébricos
(números
neste caso) por elementos geométricos e as operações
algébricas por operações geométricas.
Esta é a
ideia por detrás daquilo que denominamos álgebra
geométrica.
Embora os problemas levantados acima
impediram que os gregos levassem adiante esta ideia, atualmente
estes problemas já não seriam mais considerados
"problemas''. O verdadeiro problema que estava por detrás
desta ideia é a noção de congruência
que os gregos tinham.
Em outras palavras, o problema consiste em definir quando dois
segmentos de reta podem ser vistos como equivalentes. Para os
gregos bastava que eles tivessem o mesmo comprimento. Mas isso
não basta!
A busca das álgebras geométricas
se fez
novamente presente já nos tempos modernos através de
Descartes.
Essa tentativa também não logrou exito, e o motivo
principal
foi o mesmo dos gregos: a noção de congruência
usada por
Descartes era a mesma de Euclides. O mesmo problema preocupou
Leibniz (1646-1716), um dos criadores do cálculo
diferencial e
integral. Do ponto conceitual Leibniz teve bem claro a ideia de
uma álgebra geométrica e da sua necessidade. Ele a
denominou
uma geometria de situs, que podemos traduzir como uma
geometria de posição ou de sítio. Leibniz escreveu
um ensaio
sobre esse assunto que ficou esquecido por muito tempo. Quando
redescoberto e publicado (em torno de 1833) foi instituído um
prêmio para quem desenvolvesse as ideias de Leibniz.
Apenas um
matemático se inscreveu: Grassmann.
O que permitiu a Grassmann
desenvolver com exito a ideia de uma álgebra
geométrica foi o
fato dele não usar a noção de congruência de
Euclides, mas
sim uma outra relacionado com o conceito que hoje conhecemos como
vetores.
Foi portanto H. Grassmann, em 1844, quem
finalmente conseguiu tornar a ideia geral acima descrita uma
realidade. Primeiro, sabemos que duas retas não-paralelas
determinam um plano, e queremos definir um produto de
"coisas" que representem retas (ou segmentos de reta)
tal que o resultado desse produto seja uma outra
"coisa" que represente um plano (ou um fragmento de
plano). Essa é a ideia de uma álgebra
geométrica. O
grande passo de Grassmann foi não representar segmentos de reta
por números, mas sim por objetos matemáticos chamados
vetores.
A observação nesse caso é que podemos atribuir a
um segmento
de reta não apenas um número (dado pelo seu comprimento)
mas
também uma orientação e uma direção
(que por sua vez depende
da noção de paralelismo). Grassmann então foi
capaz de definir
um produto destes vetores, chamado produto exterior, cujo
resultado é um objeto chamado bivetor, que descreve fragmentos
de plano. Salvo raras exceções, o trabalho de Grassmann
passou
quase que desapercebido, tendo sido retomado quase um século
depois pelo grande matemático E.
Cartan. Hoje chamamos a
estrutura desenvolvida por Grassmann de álgebra exterior ou
álgebra de Grassmann. É oportuno salientarmos que o
sistema de
Grassmann não se limita apenas a um espaço
tridimensional,
sendo aplicável a espaços de um número
arbitrário de
dimensões.
Dentre as raras exceções para quem o trabalho de Grassmann não passou desapercebido na sua época foi W. Clifford. Antes de mencionarmos o trabalho de Clifford, devemos observar que também no ano de 1844 o então mais do que famoso W. Hamilton havia publicado um sistema que denominou quatérnions, que consistem em uma generalização dos números complexos, que por sua vez são um generalização do conceito de números reais. Os quatérnions se mostraram ser objetos extremamente adequados para descrevermos operações no espaço tridimensional tais como rotações. Agora, em 1878 Clifford publicou um trabalho onde ele mostrou como unificar em uma única estrutura os sistemas de Grassmann e de Hamilton. Mais ainda, aproveitando a estrutura muito geral da álgebra de Grassmann, o sistema de Clifford permite generalizarmos o sistema dos quatérnions de Hamilton. A denominação original de Clifford para esta estrutura foi álgebra geométrica, mas hoje a denominamos álgebra de Clifford. Um fato muito importante acerca das álgebras de Clifford é que dentro delas aparecem objetos chamados "spinores" que seriam utilizados quase 50 anos depois por W. Pauli e P. Dirac para descreverem a chamada matéria fermiônica, em particular elétrons. Cada vez mais em Matemática os conceitos geométricos são generalizados de modo a incluir objetos que dificilmente imaginaríamos que poderiam ser estudados segundo o ponto de vista da Geometria. Existem formas de geometria muito mais gerais do que a que estavamos pensando acima, que denominamos geometria ortogonal. Existe, por exemplo, a chamada geometria simplética. Nesse caso também há uma estrutura algébrica apropriada no sentido de uma álgebra geométrica como discutimos acima. De qualquer forma, as geometrias e as operações geométricas que muitas vezes temos em mente são muito mais complexas do que as discutidas acima, e nesse caso a sua transcrição em termos algébricos se faz fundamental e necessária (como, por exemplo, no caso da geometria não-comutativa).
16/12/1999
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