Cordel de fantasmas
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1.- 
Quero contar uma estória
que é verdadeira e vivida,
a estória de Zé das Notas,
cantador e cordelista.
Quando acabava a jornada,
na hora que o sol dormia,
ia à beira da lagoa
procurando almas perdidas.

2.-
Certa vez ouviu uma voz
de mulher, adormecida,
a voz, que vinha da água,
"não te vires" lhe dizia.
"Tu também procuras almas
que já deixaram a vida?",
"Eu busco o que ando buscando,
inspiração nos enigmas".

3.-
"E por que são os espectros
- triste poeta - os que te inspiram?",
"É uma estória muito longa",
"Conta pra mim, se te animas".
E o Zé, tirando um folheto,
daqueles que ele escrevia,
começou a contar a triste
estória dum tal Zé Quincas.

4.-
Havia um velho coronel
que tinha uma linda filha
casada com um doutor
cuja família era rica.
Foi morrer o pai em calma
- a sucessão resolvida - 
sem conhecer os seus netos
mas de consciência tranqüila.

5.-
Não sabia o proprietário
que existia um tal Zé Quincas
que era peão na sua fazenda
como toda sua família.
Zé Quincas, quando menino,
era amigo da sua filha;
brincavam nus na cachoeira,
se secavam com a brisa.

6.- 
Quando fez quatorze anos
o Zé se mandou pra Olinda
querendo ver se sua sorte
na cidade grande vinga.
E cinco anos depois
- ao regressar - se aproxima
daquela com quem sonhava
nos seus tempos de menina.

7.-
"Zé Quincas, estou casada,
estou casada, Zé Quincas",
"Mas eu nada quero não,
só que te lembres que amiga
foste minha e que uma vez,
da velha preta escondida,
brincaste de me beijar
sem ficar arrependida".

8.-
"Eu somente quero, Branca, 
(era o nome da menina)
que fales com teu marido;
não tive sorte em Olinda
e ando buscando conchavo
- apenas casa e comida -
fazendo qualquer serviço
para malviver a vida".

9.-
Ah, que mal fizeste, Branca,
que mal fizeste, Zé Quincas,
ficar tão perto de casa
naquelas tardes compridas!
O doutor tem afazeres
que do lar o distanciam
e não suspeita em que forma
o Zé te faz companhia.

10.-
Nem dura a felicidade
nem o destino não brinca,
assim são todas as coisas,
pouco engenho tem a vida.
Um dia chega o marido
na hora que nunca vinha
e viu o que havia de ver
e enxergou o que não queria.

11.-
Os tiros mataram Branca
mas não acertaram Zé Quincas,
com a bala derradeira
o bom doutor se suicida.
Antes de morrer, a moça
pro seu amante dizia:
"Busca minh'alma nas águas,
faz amor com nossas rimas".

12.-
Virou-se o poeta pro rio,
para aquela que ali ouvia,
e ela disse: "Zé das Notas,
és, na verdade, Zé Quincas?"
"E tu, seréia", diz ele,
quem a paixão consumia,
"És tu o fantasma que busco,
angustiado, noite e dia?"

13.-
Os dois disseram que sim
mas era tudo mentira.
O Zé Quincas é criação
do nosso Zé cordelista,
e a moça não era fantasma,
era a cabocla Tarsila.
Inda os encontra transando
o arranhar do novo dia.





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