Criada em 2005, a Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas (OBMEP) é hoje um dos maiores projetos educacionais do país. Realizada pelo Instituto de Matemática Pura e Aplicada (IMPA) e promovida com recursos do Ministério da Educação (MEC) e do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), a OBMEP reúne anualmente milhões de participantes.
Em sua 19ª edição, realizada em 2024, a OBMEP contou com a participação de 56.516 escolas, sendo 50.960 da rede pública e 5.556 da rede privada, totalizando mais de 18,4 milhões de alunos inscritos apenas na primeira fase. Sua abrangência territorial é igualmente expressiva: a olimpíada alcançou 99,89% dos municípios brasileiros, reafirmando seu papel como uma das iniciativas educacionais mais amplas e democráticas do país.
Com o propósito de estimular o estudo da matemática e identificar jovens talentos em todo o território nacional, a OBMEP possui objetivos bem definidos: despertar o interesse pela disciplina; contribuir para a melhoria da qualidade da educação básica; incentivar o ingresso de estudantes no ensino superior; valorizar o trabalho dos professores da rede pública; promover a integração entre escolas, universidades e institutos de pesquisa; e, sobretudo, ampliar a inclusão social por meio da difusão do conhecimento.
Como funciona a OBMEP
A OBMEP é voltada para alunos do 6º ao 9º ano do Ensino Fundamental e para estudantes do Ensino Médio, das redes públicas municipais, estaduais, federais e também da rede privada. Além dos alunos, participam diretamente professores, escolas e secretarias de educação em todo o Brasil. A iniciativa conta ainda com a OBMEP Mirim, destinada aos anos iniciais do Ensino Fundamental.
As inscrições são realizadas exclusivamente pelas escolas, não sendo permitida a inscrição individual de estudantes. No ato da inscrição, a escola deve informar o número total de alunos participantes em cada um dos três níveis:
- Nível 1: estudantes do 6º e 7º anos do Ensino Fundamental;
- Nível 2: estudantes do 8º e 9º anos do Ensino Fundamental;
- Nível 3: estudantes do Ensino Médio.
A competição é dividida em duas fases. A primeira consiste em uma prova objetiva com 20 questões, aplicadas conforme o conteúdo programático correspondente a cada nível. Os estudantes com melhor desempenho são classificados para a segunda fase, composta por uma prova dissertativa com seis questões.
São contemplados com premiações os alunos, professores, escolas e secretarias municipais de educação que se destacarem em suas respectivas categorias.
Além das medalhas e menções honrosas, os estudantes com melhor desempenho podem ser convidados a participar do Programa de Iniciação Científica Júnior (PIC), além de terem acesso a oportunidades em cursos de ensino superior e a bolsas de estudo, ampliando horizontes e perspectivas para o futuro.
O segredo do sucesso
O sucesso e a longevidade da OBMEP não são frutos do acaso. Para o professor Samuel Rocha de Oliveira, docente do Departamento de Matemática Aplicada do Instituto de Matemática, Estatística e Computação Científica (IMECC) da UNICAMP e atual coordenador regional da OBMEP em Campinas (SP05), esses resultados são consequência de uma combinação consistente de fatores que sustentam a iniciativa ao longo dos anos. Entre os principais, ele destaca:
a) A relevância da matemática na formação escolar e o seu impacto estatisticamente comprovado, por meio de estudos de pesquisa, no desempenho dos alunos das escolas participantes;
b) A experiência internacional com olimpíadas de matemática, que demonstra que o formato competitivo, aliado ao sistema de premiações, oferece uma motivação extrínseca eficaz. Medalhas, certificados e outras formas de reconhecimento contribuem para elevar a autoestima e a autoconfiança dos estudantes, incentivando-os a se dedicarem com mais afinco aos estudos;
c) A decisão de estruturar a OBMEP em torno das escolas, e não de candidatos individuais, permite o engajamento coletivo. A participação contínua das instituições escolares cria uma cultura interna que valoriza a matemática e promove a formação sustentável de comunidades de aprendizagem;
d) A gestão eficiente e as sólidas parcerias institucionais, como aquelas estabelecidas com o IMPA, a SBM, o MEC e o MCTI, são pilares fundamentais da OBMEP. Além disso, o apoio político, em níveis municipal, estadual e federal, tanto do Executivo quanto do Legislativo, tem sido essencial para sua continuidade.
Outro aspecto indissociável do sucesso da OBMEP é sua capacidade de disseminar uma visão mais ampla e criativa da matemática, apresentando-a como uma ciência viva, dinâmica e conectada à realidade cotidiana. Ao estimular habilidades como argumentação, pensamento reflexivo e persistência na resolução de problemas, a olimpíada contribui de forma significativa para a formação de jovens mais preparados para uma atuação cidadã crítica e ativa.
“Eu enxergo que a OBMEP desempenha um papel relevante e multifacetado na formação científica e cidadã dos estudantes brasileiros, especialmente aqueles de escolas públicas”, destaca o professor Samuel. “A matemática básica oferece várias ferramentas e estratégias para resolver problemas, não apenas da matemática em si, mas da vida em geral.”
Presente em praticamente todos os municípios brasileiros (com exceção de apenas quatro), a OBMEP se aproxima da universalização. “A análise econômica indica que os benefícios da OBMEP superam seus custos, em termos do impacto futuro na renda dos participantes. Isso justifica sua continuidade e expansão, pois é percebida como uma política pública eficiente do ponto de vista do custo-benefício”, conclui o professor.
Muito além das medalhas
A OBMEP não é apenas uma competição: é uma ponte entre jovens de todo o Brasil e a formação acadêmica.
Universidades públicas, como a própria UNICAMP, já instituíram vagas específicas para alunos olímpicos, ampliando as oportunidades de acesso ao ensino superior. No ano de 2024, somente a UNICAMP registrou 966 inscritos nesta modalidade.
Para Gabrielli Fregate Bedana, ex-aluna de escola pública e hoje graduanda em Estatística pelo IMECC/UNICAMP, essa olimpíada foi o marco de uma trajetória acadêmica repleta de conquistas, descobertas e oportunidades que mudaram sua vida.
Gabrielli conheceu a OBMEP ainda no ensino fundamental. Na época, participar da olimpíada parecia apenas “mais uma chance de conquistar uma medalha bonita para pendurar na parede do quarto.” Contudo, a persistência foi recompensada no ensino médio, quando conquistou sua primeira medalha, um momento que ela descreve como “um divisor de águas”, ainda que, à época, não tivesse plena consciência de sua importância.
A notícia da medalha chegou por meio de um e-mail do colégio. Era a única olimpíada de matemática que Gabrielli participava com frequência, e até então, apenas menções honrosas haviam vindo. A emoção foi intensa, não só pelo reconhecimento, mas pelo que aquele símbolo silenciosamente prometia. “Se eu soubesse o quanto a medalha impactaria meu futuro, a alegria teria sido multiplicada por dez”, comenta.
O verdadeiro impacto veio algum tempo depois, quando Gabrielli descobriu que poderia ingressar na UNICAMP, uma das universidades mais prestigiadas do país. A medalha da OBMEP a tornava elegível para um processo de ingresso por mérito olímpico.
“Fiz a inscrição sem grandes expectativas”, lembrou a aluna. “Quando fui aprovada, a ficha demorou a cair. Foi uma recompensa inesperada por algo que eu já tinha vivido com tanto orgulho.”
Além do ingresso na UNICAMP, Gabrielli se viu envolvida em projetos que aprofundaram sua relação com a matemática e a ciência. Participou de iniciações científicas, atuou como monitora e deu aulas em projetos de extensão voltados à preparação de novos talentos para a OBMEP.
Foi nesses espaços que ela encontrou sua paixão pela estatística. “A OBMEP foi o ponto de partida para diversas oportunidades que tive na graduação e que ajudaram a me encontrar no mundo acadêmico da Estatística. Foi por meio dos projetos extracurriculares ligados à olimpíada que descobri meu interesse pela ciência de dados. A experiência com iniciações científicas, aulas e atividades educativas ampliou minha visão sobre o que eu poderia seguir profissionalmente”, afirma.
A história de Gabrielli é só um exemplo de como a OBMEP vai muito além de uma premiação. Ela é uma plataforma de visibilidade, uma via de acesso para quem, muitas vezes, não teria outras oportunidades. “A medalha representa muito mais do que um reconhecimento, é uma verdadeira ponte para o futuro, abrindo portas para estudos acadêmicos, bolsas, programas de incentivo e acesso a universidades”, ressalta a medalhista. “Políticas públicas que ampliem e fortaleçam iniciativas como essa são essenciais para revelar e apoiar talentos que, muitas vezes, permanecem invisíveis nas periferias e no interior do nosso país.”
OBMEP e UNICAMP: Uma ponte para o futuro
Na região metropolitana de Campinas, a coordenação regional da OBMEP tem sido historicamente liderada por professores do IMECC, que dedicam seus esforços a aproveitar o ecossistema acadêmico e científico local para ampliar o impacto da Olimpíada na região.
De acordo com o professor Samuel, iniciativas como a realização das cerimônias de premiação regionais, apoiadas institucionalmente pela UNICAMP ao longo dos últimos 19 anos, conferem visibilidade e prestígio ao desempenho dos estudantes, aproximando-os do ambiente universitário desde cedo.
Além disso, os estudantes premiados têm acesso a programas de Iniciação Científica (PIC e PIC-EM), que conectam diretamente a OBMEP a oportunidades de pesquisa. “Ainda que não seja documentado publicamente, a tradição de cooperação e visitação mútua entre escolas e a UNICAMP demonstra a capacidade de articulação da coordenação regional com a comunidade de ensino básico da nossa região”, enfatiza o professor Samuel.
O Programa de Iniciação Científica Júnior (PIC) é um projeto de alcance nacional voltado aos medalhistas da OBMEP. Todos os estudantes premiados com medalhas nacionais são convidados a participar da iniciativa, que tem como objetivo ampliar seus conhecimentos científicos e prepará-los para futuras trajetórias acadêmicas e profissionais.
As aulas do PIC são baseadas em listas de exercícios com temas de matemática adequados ao ano escolar do estudante, porém com uma abordagem mais desafiadora do que aquela oferecida pelo ensino regular. O cronograma se estende de abril até final de novembro, com encontros aos sábados, das 8h às 12h.
As atividades presenciais são realizadas na UNICAMP, em Campinas. Além desse polo, há também uma unidade presencial na FATEC de Americana, que atende estudantes da própria cidade e de municípios vizinhos. Para os estudantes que residem longe de Campinas ou Americana, o programa oferece turmas virtuais, permitindo a participação nas aulas por meio da internet.
O programa ainda oferece uma bolsa de estudos para estudantes regularmente matriculados em escola pública, no valor de R$ 300,00 (trezentos reais) por mês, concedido pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
A região metropolitana de Campinas e o interior paulista compõem a coordenadoria regional SP03, no PIC. Ela é coordenada há cerca de oito anos pelo professor Ricardo Biloti, docente do Departamento de Matemática Aplicada do IMECC/UNICAMP.
Segundo Biloti, além de proporcionar uma formação diferenciada para esses alunos, o PIC também cumpre um papel estratégico na aproximação entre os estudantes e o ensino superior. “Muitos desses jovens nem conhecem a universidade ou programas como as vagas olímpicas da UNICAMP”, comenta o professor. Contudo, ao participar do PIC dentro do ambiente universitário, os alunos vislumbram novas possibilidades para seu futuro acadêmico. “Já tivemos diversos estudantes que participaram do PIC, se interessaram pela UNICAMP e ingressaram aqui. Alguns, inclusive, atuaram depois como instrutores no próprio programa.”
Na visão do coordenador do PIC, o maior triunfo da OBMEP é sua abrangência nacional, que alcança até os municípios mais remotos do país.
“A OBMEP se destaca entre todas as olimpíadas científicas do Brasil por sua enorme capilaridade. Ela alcança estudantes de regiões extremamente remotas, muitas vezes fora do alcance de outras iniciativas, e isso é algo realmente louvável. Temos alunos de pequenas cidades, praticamente fora do mapa, que se tornam medalhistas e passam a participar do PIC, geralmente de forma virtual, devido à distância. Através dessa experiência, eles passam a conhecer um mundo que antes lhes era inacessível. É uma ação realmente incrível. Poder mostrar para esses estudantes que existe um futuro em potencial, que vem do esforço deles, do empenho deles. Também é uma maneira de reconhecer professores de escolas públicas que estão trabalhando com seus estudantes. Em geral, percebemos que por trás desses bons estudantes e desses centros que geram medalhistas para o OBMEP, sempre tem um bom professor, dedicado, e um forte apoio da coordenação da escola. Então, a Olimpíada também é uma maneira de você valorizar esses professores e essas escolas que se esforçam, apesar de todas as adversidades.”
Convite à transformação
A mensagem do professor Samuel é clara:
“Aos professores, quero expressar meu reconhecimento pelo papel que desempenham ao motivar e apoiar os alunos, inspirando-os a descobrir suas capacidades matemáticas e a desenvolver habilidades valiosas para a vida toda. A OBMEP vai além da competição matemática: é uma oportunidade única para descobrir e cultivar talentos, melhorar significativamente o ensino e o aprendizado da matemática e estimular o desenvolvimento de habilidades que acompanharão os jovens ao longo da vida. Participar da OBMEP significa abrir portas para novas perspectivas acadêmicas e profissionais, promovendo inclusão, motivação e reconhecimento em nível nacional. E finalmente, aos gestores escolares afirmo que a participação de seus professores e estudantes na OBMEP pode aprimorar todo o ambiente escolar.”
A Cerimônia de Premiação da 19ª OBMEP da região metropolitana de Campinas está agendada para os dias 6 e 12 de agosto de 2025, a partir das 9h, no Centro de Convenções da UNICAMP. O evento contará com a entrega de cerca de 400 medalhas nacionais, além de prêmios destinados a professores, escolas e diretorias de ensino da região.