SUMÁRIO
RESUMO
O objetivo deste trabalho é
relacionar a Axiomática de Hilbert à Axiomática utilizada no livro texto da
disciplina MA241 [1], que foi proposta por Birkhoff; de modo que ao examinar os
axiomas propostos por Hilbert possa ser feito um paralelo com os que foram
propostos durante o curso, para que a compreensão daqueles seja efetiva.
Inicialmente apresentamos uma visão histórica e as motivações que levaram a tal
estudo axiomático.
David Hilbert foi um
matemático alemão que nasceu em 1862 na região de Königsberg. Lá, iniciou seus
estudos sendo nomeado em 1895 para Göttingen, onde ele ensinou até se
aposentar, em 1930. Hilbert é freqüentemente considerado como um dos maiores
matemáticos do século XX, no mesmo nível de Henri Poincaré. Devemos a ele principalmente a lista de 23 problemas, alguns dos quais não foram
resolvidos até hoje, que ele apresentou em 1900
no Congresso Internacional de Matemática
em Paris.
Suas contribuições à
Matemática são diversas :
·
Consolidação da teoria dos invariantes, que foi o objeto de
sua tese.
·
Transformação da geometria euclidiana em axiomas, para torná-la
consistente, publicada no seu Grundlagen der Geometrie (Bases de
geometria).
·
Trabalhos sobre a teoria dos números algébricos, retomando e
simplificando, com a ajuda de seu amigo Minkowski, os trabalhos de Kummer, Kronecker, Dirichlet e Dedekind, e publicando-os no seu Zahlbericht (Relatório sobre os
números).
·
Criação dos espaços que levam seu nome, durante seus trabalhos em análise sobre as equações integrais.
·
Contribuição para as formas quadráticas, bases matemáticas da Relatividade de Einstein.
O texto usado neste
trabalho, Foundations of Geometry (Grundlagen der Geometrie no original), foi
publicado por Hilbert em 1899 substituindo os axiomas tradicionais de Euclides
por um conjunto mais formal, evitando as “fraquezas” encontradas na
argumentação daquele. Ainda assim, o texto de Euclides é usado como livro texto
padrão.Um fato curioso é que ao mesmo tempo que Hilbert, mas independentemente,
o estudante americano de 19 anos Robert Lee Moore publicou um conjunto de
axiomas equivalentes aos de Hilbert.
A abordagem de Hilbert marca a transição para
o método axiomático moderno, no qual axiomas agora não são mais verdades
auto-evidentes. Apesar da Geometria tratar de objetos a respeito dos quais
temos forte intuição, não se faz necessário ter significado explícito para
conceitos indefinidos tais como o ponto, a reta, o plano e as relações de
pertinência, congruência e “estar entre”. Segundo Hilbert não era mais
necessário tratar dos objetos comuns à geometria (reta, ponto e plano), podendo
substituí-los por objetos cotidianos. A discussão, entretanto, não se baseia
nos objetos mas sim nas relações entres eles estabelecendo o que chamamos de
axiomas de incidência, ordem, congruência, paralelismo de retas e continuidade.
Lembrando o que é um sistema
axiomático, ele deve satisfazer as três condições seguintes: ser consistente, quer
dizer, os postulados não podem contradizer uns aos outros, por si mesmos ou por
suas conseqüências; deve ser completo, no sentido de serem suficientes para
provar verdadeiras ou falsas todas as proposições formuladas no contexto da
teoria em questão; e, por fim, cada postulado deve ser independente dos demais,
no sentido de que não é conseqüência deles, sob pena de ser supérfluo.
Após vários matemáticos haverem exibido modelos
euclidianos das geometrias não-euclidianas, estas ganharam total credibilidade.
Provava-se que elas eram consistentes, isto é, livres de contradições internas.
Mas tais provas apoiavam-se na geometria euclidiana, de sorte que elas tornavam
ao mesmo tempo evidente a necessidade de provar a consistência da própria Geometria
de Euclides. Os matemáticos começaram então a estudar a consistência dos
postulados de Euclides, e logo perceberam que eles eram insuficientes para
provar os teoremas conhecidos, sem falar nos demais que viessem a ser
considerados no futuro.
Analisando os Elementos sob
esse novo ponto de vista, eles descobriram que a axiomática euclidiana era
incompleta e continha sérias falhas. Euclides, em suas demonstrações,
apelava para fatos alheios aos postulados e em outros casos colocava como
postulado fatos que não tinham justificativa para tal, isto é mencionado pelo
próprio Hilbert no texto. Era, portanto, necessário reorganizar a própria
geometria euclidiana, suprindo, inclusive, os postulados que estavam faltando.
Isso foi feito por vários matemáticos no final do século XIX, dentre eles Hilbert no livro texto, no qual ele faz uma
apresentação rigorosa de uma axiomática adequada ao desenvolvimento
lógico-dedutivo da geometria euclidiana.
Paralelamente ao que acontecia em Geometria, as
preocupações com o rigor se faziam presentes também na Análise Matemática a
partir de aproximadamente 1815. Os desenvolvimentos que vinham ocorrendo na
Geometria, na Álgebra e na Análise durante todo o século XIX convergiram, no
final do século, para uma preocupação com os fundamentos de toda a Matemática.
Por duas razões importantes, os matemáticos acabaram se convencendo de que
todas as teorias matemáticas teriam de se fundamentar, em última instância, nos
números naturais.
De um lado,
os números complexos, os números reais, os racionais e os inteiros puderam ser
construídos, de maneira lógica e consistente, uns após outros, começando nos
números naturais. De outro lado, Hilbert estabelecera uma correspondência entre
os elementos geométricos do plano - pontos, retas e círculos - com os entes
numéricos da geometria analítica. Os pontos podem ser caracterizados por pares
ordenados de números reais, e as retas e círculos por suas equações. Isso
permitiu reduzir o problema da consistência da Geometria à consistência da
Aritmética. Provando-se a consistência desta, ficaria também provada a da
Geometria. Assim, a Geometria, que desde a Antigüidade era considerada o modelo
de rigor lógico, estava agora dependendo da própria Aritmética para sua efetiva
fundamentação.
Agora trataremos de relacionar a
Axiomática de Hilbert à Axiomática utilizada no livro texto [1] da disciplina
em questão. Tendo em vista uma linguagem clara e concisa vamos chamar de
Postulados os Axiomas do livro texto acima citado; eles serão numerados
exclusivamente com algarismos indo-arábicos.
I1 – Para cada dois pontos A e B existe
uma reta a que contém ambos pontos A
e B;
I2 – Para cada dois pontos A e B não existe mais de uma reta que contém
ambos A e B;
Note que esses dois axiomas juntos equivalem ao Postulado
1, uma vez que um deles trata da existência e o outro da unicidade.
I3 – Existem pelo menos dois pontos
sobre uma reta. Existem pelo menos três pontos que não estão na mesma reta.
Este Axioma equivale exatamente aos Postulados 2 e 3.
I4 – Para quaisquer três pontos A, B e C que não estão numa mesma reta
existe um plano a
que contém todos os três A, B
e C. Para cada plano existe um ponto contido nele;
I5 – Para
quaisquer três pontos A, B e C que não pertencem a uma mesma reta não existe
mais do que um plano que contém cada um dos três pontos;
I6 – Se dois pontos A e B de uma reta a pertencem a um plano a então cada ponto da reta a pertence a a;
I7 – Se dois planos a e β têm um ponto em comum A então eles têm
pelo menos mais um ponto B em comum;
I8 – Existem pelo menos quatro pontos que não pertencem ao mesmo plano.
Os cinco últimos Axiomas referem-se à Geometria Espacial
na qual não temos interesse no momento.
II1 – Se um ponto B está entre dois
outros pontos A e C então A, B e C são três pontos distintos de uma reta, e
então B também está entre C e A;
Este axioma apenas trata da reflexividade do conceito de
um ponto estar entre outros dois. Não há equivalente entre os postulados
estudados.
II2 – Para dois pontos A e B, sempre
existe pelo menos um ponto C na reta AB tal que B está entre A e C;
Este axioma coincide com o item (1) do teorema 1.7 da
literatura.
II3 – De quaisquer três pontos sobre uma
reta não existe mais de um entre os outros dois;
Sendo que o teorema 1.6 de [1] trata da unicidade
mencionada neste axioma ele ainda garante a existência, e isto é demonstrado
num outro teorema proposto por Hilbert.
II4 – Sejam A, B e C três pontos que não estão
na mesma reta e seja a uma reta no
plano ABC que não encontra nenhum dos pontos A, B e C. Se a reta a passa por um ponto do segmento AB
então, ela passa por um ponto do segmento BC ou por um ponto do segmento AC.
Este axioma foi mencionado no exercício 1.10 como o Postulado
de Pasch, o qual foi utilizado por Pasch em seu trabalho substituindo o
Postulado da Separação do Plano. Este é
apresentado por Hilbert como teorema que decorre exclusivamente deste axioma,
sendo sua equivalência garantida. Intuitivamente a idéia do axioma é de se uma
reta entre no interior do triângulo ela deve
sair dele.
Alguns resultados interessantes e comentários:
·
O
resultado do item (3) do teorema 1.7 também é demonstrado num teorema de [2] e
sua demonstração torna-se complicada com o uso dos axiomas de incidência e
ordem, coisa que não ocorre na demonstração do teorema 1.7 uma vez que este
utiliza propriedades de ordem e completude dos números reais (Postulado da
Reta).
·
“Dados quatro pontos sobre uma reta, sempre é
possível denominá-los A, B, C, D de modo que A-B-C, A-B-D, A-C-D e B-C-D.” Este
teorema, e também uma generalização dele para n pontos, lembram o Postulado da
Colocação da Régua por mencionar um sistema de coordenadas com origem e não
deixa de considerar o conceito de “estar entre”.
·
Também
é enunciado um teorema de Separação do Espaço por um plano, cuja demonstração
segue exclusivamente dos axiomas considerados até então, portanto os axiomas do
grupo II são completos até mesmo para a geometria espacial.
III1 – Se A e B são pontos sobre uma reta a, e A’ é um ponto sobre qualquer reta a’ então sempre é possível encontrar um
ponto B’ num dado lado da reta a’
por A’ tal que
ABA’B’;
III2 – Se A’B’AB e A”B”AB então
A’B’A”B”;
III3 – Sobre a reta a sejam AB e BC segmentos tais que B é o único ponto em comum entre
eles. Além disso, sobre qualquer reta a’
sejam A’B’ e B’C’ segmentos tais que B’ é o único ponto em comum entre eles.
Sendo assim, se
ABA’B’ e BCB’C’ então ACA’C’;
Estes três axiomas, ditos lineares, enunciam as
propriedades do conceito de congruência, a saber a existência de um segmento
congruente numa reta distinta dado um ponto, transitividade e aditividade de
segmentos.
Na definição de ângulo de Hilbert
os lados do ângulo são tratados de raios e a consideração de medida de ângulo é
dada no máximo para o ângulo reto.
III4 – Sejam Ð(h,k) um ângulo no plano a, a’ uma
reta no plano a’ e dado um lado definido da reta a’. Seja h’ um raio sobre a reta a’ que sai do ponto O’. Então existe no
plano a’ um único raio k’ tal que
Ð (h,k) Ð (h’,k’)
Todo ângulo é congruente a si mesmo;
III5 – Se para dois triângulos ABC e
A’B’C’ valem as congruências
ABA’B’, ACA’C’, ÐBACÐB’A’C’,
Então também vale
ÐABCÐA’B’C’.
No caso destes dois axiomas, considerados no plano, vale
observar que o primeiro admite a possibilidade de serem construídos ângulos
congruentes e ainda dá a unicidade da construção, e que o segundo não diz nada
sobre a congruência de triângulos, mas prepara para essa parte da teoria.
Alguns resultados interessantes e comentários:
·
A
unicidade da construção de um segmento segue da unicidade da construção de um
ângulo, utilizando para isso os axiomas III5 e III4, nesta ordem;
·
Todos
os resultados de congruência de triângulos, mesmo os postulados, são teoremas
propostos por Hilbert;
·
“Sejam
h,k,l e h',k',l' raios partindo de O e O', respectivamente. Sejam h,k e h',k'
simultaneamente no mesmo lado ou em lados diferentes de l e de l',
respectivamente. Se valem as congruências Ð (h,l) Ð (h’,l’) e Ð (k,l) Ð (k’,l') então valem Ð (h,k) Ð (h’,k’).” Este teorema, para o caso em
que h,k e h',k' estão em lados diferentes de l e de l' respectivamente,
equivale ao Postulado da Adição de Ângulos;
·
“Sejam
Ð (h,k) e Ð (h',l') quaisquer. Se a construção de Ð (h,k) em h' do lado de l' leva a um raio interior
k' então a construção do Ð (h',l') em h do lado de k leva a
um raio exterior l, e vice-versa.” Deste teorema são obtidas a tricotomia e a
transitividade da comparação quantitativa de ângulos. No caso de segmentos, as
propriedades correspondentes para a sua comparação quantitativa segue
imediatamente dos axiomas do grupo II, de III1-III3 e da unicidade da construção do
segmento.
IV – (Axioma de Euclides) Seja a uma reta e A um ponto que não esteja sobre a. Então existe no máximo uma reta no plano, determinado por a e A, que passa por A e não
intersecciona a.
Este axioma, considerado no plano, coincide com o
Postulado das Paralelas e Hilbert menciona o ítem b) do teorema 4.9 de [1] como
sendo equivalente a este axioma.
Alguns resultados interessantes e comentários:
·
O
Axioma das Paralelas simplifica a fundamentação da Geometria facilitando seu
desenvolvimento a um nível considerável;
·
“Se
duas retas paralelas intersecciona uma terceira então os ângulos
correspondentes e os alternados são congruentes; reciprocamente, a congruência
dos ângulos correspondentes ou dos alternados implica que as retas são
paralelas.” Existe em [1] o ítem a) do Teorema 4.9 que expressa parte do
conteúdo deste acima;
·
O
Teorema 4.10 decorre do Axioma das Paralelas junto dos Axiomas de Congruência,
excluindo apenas a informação de que dois ângulos retos somam 180.
V1 – (Axioma de medida
ou Axioma de Arquimedes) Se AB e CD são quaisquer segmentos então existe um número n tal que n
segmentos CD construídos contiguamente apartir de A, ao longo do raio de A até
B, vai passar além de B.
V2 –
(Axioma da completude da reta) Uma extensão de um conjunto de pontos sobre uma reta e
suas relações de ordem e congruência que preservem as relações existentes entre
os elementos originais tanto quanto as propriedades fundamentais de ordem e
congruência da reta, que seguem dos axiomas I-III e de V, é impossível.
No caso desses dois últimos axiomas, lineares, não existe
correspondência com nenhum postulado, porém o segundo relaciona-se com o
Postulado da Régua permitindo agora que possamos utilizar as propriedades dos
números reais assim como o Postulado da Régua o faz.
Alguns resultados interessantes e comentários:
·
Para
que V2 seja satisfeito é necessário que o
conjunto de axiomas cuja validade ele requer contenha o Axioma V1, mesmo não sendo uma
consequência dele;
·
Pode
ser enunciado um Teorema de completude que engloba todos os elementos de
geometria sendo este uma espécie de generalização do axiomaV2 que trata da completude da reta.
·
A
validade de alguns dos axiomas mencionados não são requeridos
incondicionalmente para o Teorema de Completude mencionado. Entretanto, é
essencial para sua validade que o axioma I7 esteja contido entre os axiomas
cuja persistência é requerida;
CONCLUSÃO
Através das comparações
feitas foi possível perceber que Hilbert é bastante minucioso em suas
colocações e demonstrações o que torna essas últimas muitas vezes complexas
comparadas às demonstrações que tínhamos estudado em [1]. Porém, não há dúvida
que o conjunto de axiomas proposto por Hilbert é completo e coerente. A
preocupação de Hilbert era fazer um trabalho bem feito sob o ponto de vista
lógico, tanto que na introdução do seu livro ele diz que “estabelecer os
axiomas da Geometria é equivalente a análise lógica da nossa percepção do
espaço.”
Existem certos axiomas que
ele apresenta os quais em conjunto determinam um único Postulado em [1]. Em
contrapartida, certos axiomas são colocados como teoremas em [1] ou somente são
citados como itens de teoremas o que mostra que aquilo que antes era
considerando a origem para próximos resultados na verdade tornou-se uma
informação dependente de algum outro conceito previamente discutido. Do ponto
de vista dos resultados obtidos o conjunto de axiomas é equivalente aos
postulados de [1].
[1]
Rezende,
Eliane Q. F. e de Queiroz , Maria Lúcia B., Geometria Euclidiana
Plana e Construções Geométricas, Ed. UNICAMP, 2000;
[2]
Hilbert,
David, Foundations of Geometry, Open Court, 1990;
[3]
Eves,
Howard, História da Matemática, Ed.
UNICAMP, 1995;
[4]
www.wikipedia.org;
[5]
www.rpm.org.br/novo/conheca/45/1/euclides.